quinta-feira, 1 de agosto de 2019

De Eldorado dos Carajás a Altamira

1996, Eldorado dos Carajás, sul do Pará.

João Pedro tinha apenas 5 anos. Assistiu ao pai ser covardemente assassinado pela polícia comandada pelo coronel Pantoja, juntamente com 18 outros sem-terra.



João Pedro cresceu sem qualquer amparo do sistema de bem-estar social do Estado. A mãe, viúva, teve de trabalhar exaustivamente em ocupações informais para dar alimento aos filhos. Ainda criança, João Pedro ajudava a mãe e não pode ter acesso à Educação e muito menos a oportunidades.

Ainda adolescente, começou a se envolver em pequenos furtos. Vendia os objetos dos furtos para comprar comida e roupas e ajudar a pagar o aluguel no barraco onde morava com a mãe e os irmãos.

Com 19 anos, praticava assaltos à mão armada. Envolveu-se com grupos de bandidos e começou a fazer roubo de cargas pelas estradas em péssimas condições do estado do Pará. Até que foi preso, condenado e passou a cumprir pena na Penitenciária de Altamira. 

Na cadeia, foi cooptado por uma facção criminosa que tenta obter o domínio dos presídios de todo o país. Em 2019, na guerra entre as facções, João Pedro foi assassinado pela facção rival e teve a cabeça decepada.

A mãe de João Pedro, desesperada para ter notícias do filho, fez acampamento do lado de fora da Penitenciária de Altamira, tal como fazia em 1996 nos acampamentos dos sem-terras. E a pior notícia veio: João Pedro era um entre os 58 assassinados na Penitenciária de Altamira do Pará.

Três dias depois, enquanto aguardava a liberação do corpo do filho, sentia o cheiro fétido de carne humana em putrefação e assistia aos voos dos urubus que pelo odor eram atraídos.

Com lágrimas nos olhos e dor no peito, a mãe de João Pedro ouvia as notícias no pequeno rádio que trouxera. E sentiu repugnância ao ouvir as palavras do chefe de Estado brasileiro, quando perguntado o que achava do massacre de Altamira:

– Pergunta para as vítimas que morreram lá o que eles acham, depois que eles responderem eu respondo a vocês.

Nem o cheiro fétido de carne humana em putrefação havia causado tamanha náusea na mãe de João Pedro, a qual não conteve o vômito ao ouvir as palavras irônicas sadicamente enunciadas pelo chefe do Estado brasileiro.