sábado, 13 de junho de 2015

Lucrando com as desgraças da criminalidade

Lendo o jornal Folha de S. Paulo de hoje me deparei com a manchete abaixo.
Fonte: Folha de S. Paulo, 13 de junho de 2015, Cotidiano, pág. B5 (foto própria).
Trata-se da história de uma jovem de 16 anos estuprada e morta por adolescentes. A foto à direita retrata o desespero do pai de um dos menores envolvidos no crime. Segundo ele, o filho "não é coisa boa", afirmando não saber "de onde vem tanta perversidade". História hedionda, triste e comovente, sem dúvida! 

Mas não me passa despercebida a manchete em meio a anúncios de carros e de um luxuoso residencial.
Fonte: Folha de S. Paulo, 13 de junho de 2015, Cotidiano, pág. B4 e B5 (foto própria).

As desgraças oriundas da criminalidade se tornaram rotina. Acostumamo-nos com notícias cada vez mais estarrecedoras, enquanto nos perguntamos "por que as autoridades não tomam providências". Mas esquecemos de nos perguntar: "quem está ganhando com tudo isso"?

Os anúncios de veículos e residenciais no jornal Folha de S. Paulo são pagos, óbvio. E custam caro. Assim como custam caros os anúncios das empresas nos intervalos comerciais e principalmente nos merchandisings de programas televisivos como Cidade Alerta e Brasil Urgente. Programas geradores de uma safra de jornalistas/apresentadores que se tornaram verdadeiras celebridades, que combatem com voracidade o mundo do crime, enquanto dele se alimentam e enriquecem.

O apresentador Marcelo Resende, ao lado do jornalista Percival de Souza, vangloria-se do luxo do novo cenário do programa Cidade Alerta.
Foto: YouTube, 2015.

O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 580 mil detentos. Perde apenas para Rússia (3º lugar – 676 mil), China (2º lugar – 1,658 milhão) e Estados Unidos (1º lugar – 2,217 milhões), segundo a ONG PrisionStudies. Entrementes, chama a atenção que o país com a maior população carcerária do mundo, os Estados Unidos, tem uma relação de ódio e amor com a criminalidade.

De um lado, os Estados Unidos alimentam uma discussão de décadas com o rigor à punição de crimes, enquanto busca aumentar ao máximo o espectro de crimes puníveis, gerando um verdadeiro poço criminal sem fundo. Por outro lado, são alimentados com uma indústria que lucra em escala bilionária com a infindável criminalidade daquele país.

Por exemplo, com as empresas que gerenciam o sistema penitenciário cada vez mais privatizado. Bem como o cinema de Hollywood que imortalizou criminosos como Al Capone, ao passo que lucra centenas de milhões em bilheterias de filmes como "Os intocáveis". A mesma Hollywood que endeusou criminosos sádicos fictícios, como o assassino em série Hannibal Lecter de "O silêncio dos inocentes". E até os documentários que passam nos canais por assinatura, como no Discovery-ID, que se dedica quase que exclusivamente a um tipo de "entretenimento do crime", recontando crimes bárbaros para lucrar alto com o gênero.
Fonte: Série Assassinos de Beleza do canal por assinatura Discovery ID(foto própria), 2015.
O canal Discovery ID dedica-se quase que exclusivamente à modalidade "entretenimento do crime", recontando crimes bárbaros para lucrar alto com o gênero. 

O fato é que o crime no Brasil, assim como nos Estados Unidos, é um negócio bilionário. Uma oportunidade para empresas de vários tipos. Desde aquelas que vendem apartamentos cada vez mais minúsculos nos grandes centros, ou lotes em condomínios fechados, passando pela indústria automotiva, que  se beneficia da insegurança dos transportes coletivos, a bancos que financiam tudo isso a juros cada vez mais escorchantes. Não nos esqueçamos também dos seguros. Nem da indústria do "infoentretenimento", que, assim como nos EUA, lucra alto com a tragédia alheia.


E, enfim, não nos esqueçamos dos políticos! Que vencem as eleições com promessas cada vez mais mirabolantes e que – os minimamente esclarecidos sabem – jamais serão executadas. Os políticos que praticam a eterna terceirização da responsabilidade pela segurança pública e que apelam para a numerologia mística das estatísticas decrescentes da criminalidade, mostrando sempre números declinantes de crimes. Ao passo que a sensação geral de insegurança sempre aumenta. Assim como aumentam os encarceramentos. E enquanto a exclusão social em meio à concentração de renda fornece uma fonte contínua de "energia" para alimentar a tudo isso.

Favela de Paraisópolis ao lado de um condomínio de luxo.
A exclusão social em meio à concentração de renda fornece uma fonte contínua de "energia" para alimentar a criminalidade e enriquecer aqueles que vivem (des)graças à sensação de insegurança.
Foto: Folha de S. Paulo, 2012.