sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cumplicidade passiva



Seis da tarde de uma sexta-feira. Tráfego intenso na avenida Prestes Maia. Do alto do Viaduto Santa Ifigênia, um homem observa a confusão de carros que se perde no horizonte cinza e sujo de São Paulo.


– Aqui, não! – Ele pensa.

Caminha um pouco mais. Entrada do vale do Anhangabaú. A visão perfeita. Um sorriso sinistro. Fala em voz alta, ainda que ninguém escute:

– É isso! Este é o lugar perfeito!

Respira fundo. A coragem, de repente, falta-lhe. Fecha os olhos. Recorda a profunda angústia que sente a cada abrir dos olhos, à manhã, a cada respiração, a cada segundo e decide:

– Chega! Isso acaba aqui, agora!

Apenas o parapeito de ferro em bela figura circular é o obstáculo a ser transposto. Olha para o lado esquerdo. Uma menina com uma camiseta branca, de mangas curtas vermelhas e uma bolsa azul parece observar, fascinada, ao trânsito. Vira-se. Pedestres transitam desinteressadamente sobre a gigantesca estrutura férrea adormecida. Vira-se novamente. Lá está: o Vale do Anhangabaú. A boca do inferno.




Passa as pernas por cima do parapeito. A menina de bolsa azul olha assustada. Ele sorri para ela e balança a cabeça positivamente:

– Não se preocupe! Daqui a dez segundos, minha dor acabará para sempre!

A menina tenta falar algo, enquanto estende, de súbito, a mão direita. Ouve-se guinchar vários pneus! E também se escutam vários sons de batidas de carro. Curiosos aglomeram-se no parapeito do Viaduto Santa Ifigênia. Alguns minutos depois, sirenes são ouvidas.

– Mas que hora ele resolveu se matar! – Alguém reclama, olhando do alto do viaduto.

Enquanto isso, a menina de camiseta branca, mangas curtas vermelhas e bolsa azul chora. Sente uma culpa incomensurável por não ter feito nada. Por não ter, sequer, prestado atenção àquele homem de olhar triste que observava o trânsito de cima do Viaduto Santa Ifigênia, em uma sexta-feira ao cair da tarde.