sábado, 4 de julho de 2015

Por que deveríamos abolir a palavra 'racismo'

Na última semana um caso chocou o Brasil. A recém-contratada apresentadora da sessão sobre a previsão do clima no Jornal Nacional da Rede Globo, Maria Júlia Coutinho, foi alvo de comentários preconceituosos devido à cor de sua pele.




Percebeu que não usei a palavra "racismo"? De fato, fico profundamente incomodado quando tenho de usá-la por força da situação. Por uma razão bastante simples: não existem raças humanas.

O projeto GENOMA humano, concluído em 2003, comprovou o que já se suspeitava: a espécie humana é uma só e não é subdividida em raças, conforme algumas teses seculares pressupunham. Então, como se caracterizam as diferenças entre a cor da pele, o formato dos olhos e dos cabelos? O que faz um negro ter pele escura e um japonês ter olhos puxados?

Essas diversidades são formadas por diferenças genéticas tão sutis que o projeto GENOMA definiu que elas não se diferenciam em "raças". São apenas características étnicas. De fato, há tantas diferenças genéticas entre indivíduos de uma mesma etnia quanto entre indivíduos de etnias diferentes.

Assim, não há raça negra, raça branca, raça asiática e raça indígena. Isso não faz sentido do ponto de vista genético. Há etnia negra, etnia branca, etnia asiática e etnia indígena. Ou seja, referem-se apenas às localidades geográficas de onde tais povos se fixaram.

A palavra "racismo", portanto, não faz mais sentido diante do conhecimento científico do século 21. Deveria ser substituída pelo vocábulo "etnofobia", que caracterizaria a aversão a determinadas etnias. Seria a expressão menos errada, digamos assim, para caracterizar o que hoje é chamado de "racismo".

Mas por que ainda usamos a palavra "racismo"? No Brasil, a manutenção da palavra parece guardar forte relação com a lei nº 7.716 de 1989, que passou a tipificar o crime contra etnias. Curiosamente, o texto da lei traz no seu artigo 1º as duas palavras, "raça" e "etnia": "serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". 1

Defendo que uma forma de isolar ainda mais as atitudes "racistas" seria abandonar a expressão "racismo". Assim, um "etnofóbico" seria, além de criminoso, absolutamente estúpido do ponto de vista científico! Porque estaria baseando suas teses e/ou ações discriminatórias em teorias que já foram derrubadas pela ciência contemporânea.

O "racista" dificilmente deixará de ser "racista". Mas a vítima de etnofobia, ao usar a palavra "racismo", acaba inconscientemente reforçando a premissa falsa da existência de raças distintas e inferiores.

Vítimas de etnofobia devem refletir a respeito da extinção de qualquer coisa que remeta ao conceito equivocado de "raças humanas". A superação da própria palavra "racismo" potencializaria um salto de qualidade no combate à discriminação. Afinal, como a ciência comprovou, as etnias humanas apresentam diferenças sutis quanto à pigmentação da pele, formato dos olhos e do cabelo, mas todas as etnias são absolutamente iguais quanto ao intelecto.

Se há grupos de origens étnicas em situação econômica e social pior do que os demais, isso se deve única e exclusivamente a aspectos políticos e históricos. Jamais devido a diferenças intelectuais.

Enfim, para reflexão, deixo uma frase de um artigo dos professores Sérgio D. J. Pena (bioquímico) e Telma S. Birchal (filósofa) da UFMG:

"Embora por si só a ciência não seja capaz de gerar uma Ética, ela traz elementos que contribuem para a reflexão Ética e que ampliam o campo no qual podemos exercer nossa liberdade". 2


Referências:

1 PLANALTO. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm, acesso em 04 de julho de 2015.

2 PENA, S. D. J. BIRCHAL, T. A inexistência biológica versus a existência social de raças humanas: pode a ciência instruir o etos social? Revista USP, São Paulo, n.68, p. 10-21, dezembro/fevereiro 2005-2006, pág. 19, disponível em http://www.usp.br/revistausp/68/02-sergio-telma.pdf, acesso em 04/07/2015.