Imagem: WP Clipart, 2015. |
Antes de tudo cabe um esclarecimento: Estado laico NÃO É Estado ateu como
muitos equivocadamente pensam. Estado laico é aquele cujas leis são feitas sem priorizar
qualquer religião em particular. E, ao ser constituído dessa maneira, o Estado permite
que cada um possa exercer sua religião e crença livremente. Logicamente, desde que não viole os direitos individuais e nem faça qualquer apologia a atos
criminosos.
De acordo com o último censo do IBGE (2010), o Brasil é um país de maioria
católica: quase 65%. Somando-se aos 22% de evangélicos, totalizam-se 87% de
cristãos. Assim, todos aqueles não adeptos do cristianismo somam apenas 13%.
Se você, leitor, é adepto do cristianismo,
pode ter a tentação de pensar que, se a maioria é cristã, as leis teriam de ser
constituídas para respeitar a maioria, já que vivemos em uma democracia.
Pensamento mais equivocado não pode haver. Estado Democrático de Direito NÃO É a ditadura da maioria sobre a minoria. O Estado
Democrático de Direito é aquele em que os direitos individuais de todos, inclusive das minorias, são resguardados em lei.
Se as leis fossem constituídas segundo as
crenças dos 87% cristãos, o que deveriam fazer os 13% não cristãos? Mudar-se do
Brasil? "Os incomodados que se retirem" seria uma política pública
adequada?
"Os incomodados que se retirem" é uma política pública adequada? Quem não é adepto de determinada religião deve ser simplesmente expulso do país? Imagem: ESPN Brasil, acesso em 2015. |
Antes de se apressar em dizer que
"sim", façamos um pequeno exercício. Hoje, os muçulmanos representam
apenas 0,02% dos brasileiros, segundo o IBGE (2010). Imaginemos a hipótese
de que daqui a alguns anos os muçulmanos passassem a representar 51%. O que os
49% não muçulmanos teriam de fazer? Como você, brasileiro(a) cristão(ã), iria
se sentir em seu país? Concordaria em deixá-lo para não ter de viver segundo as
leis constituídas especificamente para um país de maioria muçulmana?
Mesmo entre os cristãos, a situação pode ser
complexa. Basta ver o caso da Irlanda, onde as disputas entre católicos e
protestantes suscitaram uma intolerância secular. As maiores vítimas costumam
ser as crianças, que são as mais vulneráveis diante de um embate religioso.
Tensões religiosas são frequentes até mesmo entre os cristãos, como no caso da Irlanda.
Alguém que fosse adepto da fábula do
"brasileiro cordial" poderia alegar que tal intolerância não acontece
no Brasil. Poderia até argumentar que a pedrada na menina de 11 anos, Kailane
Campos, praticante do candomblé, trata-se de um caso isolado de intolerância.
Mas infelizmente não é. A intolerância às
religiões das minorias – especialmente as oriundas das etnias negras – está
presente na cultura popular de forma marcante no Brasil. Desde as origens do
sincretismo religioso até as piadas cotidianas que podem parecer ingênuas para
alguns, mas são extremamente ofensivas a outros.
Nos países onde já está amadurecido o conceito de Estado laico, o exercício da fé é livre e pessoal. Não existe a ingerência de questões religiosas no poder público e a sociedade toda sai ganhando com isso.
O crescente poder da chamada bancada
evangélica no Congresso Nacional pode soar simpático a você, leitor, caso a sua
religião seja essa. Mas a todos aqueles que não professam da mesma fé que a
sua, uma simples prece em uma repartição pública é um deliberado ataque ao
Estado laico – e, portanto, um ataque ao Estado Democrático de Direito.
Os adeptos da fábula do "brasileiro cordial" podem até achar que a agressão à menina candomblecista, Kailane Campos, trata-se de um caso isolado. Foto: G1, acesso em 2015. |
Intolerância, liberdade de expressão ou apenas uma brincadeira? Depende do ponto de vista. |
Praticantes de umbanda na Suíça: nos países onde o Estado laico está amadurecido, não há ingerência de questões religiosas no poder público e todos saem ganhando. Foto: O mundo segundo os brasileiros (YouTube - 49:50), acesso em 2015. |
Culto religioso em uma repartição pública é um deliberado ataque ao Estado laico e, portanto, um ataque ao Estado Democrático de Direito. Foto: Veja, acesso em 2015. |
Pior: querer impor a toda sociedade leis
fundamentadas em princípios religiosos significa ferir de morte os direitos
individuais, principalmente os direitos das minorias. O que caracterizaria uma
flagrante ditadura fundamentalista religiosa. Em um sistema político com essas
características, as pessoas que não se enquadram nos padrões
"corretos" estabelecidos segundo a religião A ou B podem ser rotulados
como "fora da lei", "criminosos" e se tornar excluídos
sociais. E a exclusão social está na origem dos piores problemas sociais e
econômicos do Brasil e do mundo.
Caça às bruxas: leis fundamentadas em princípios religiosos ferem de morte os direitos individuais, principalmente os direitos das minorias. Em todos os lugares e épocas da história da humanidade em que isso aconteceu, o resultado foi desastroso. Imagem: fr.academic.ru, acesso em 2015. |