Diante do gigantesco predador que devorará a presa viva, dilacerando lenta e dolorosamente as entranhas, o instinto primitivo de fugir e lutar é suprimido.
Como que vendo a vítima do alto do fosso, antecipando o que está para acontecer, grito aflito na esperança de salvá-la. A virtual presa olha diretamente nos meus olhos. Não se assusta diante do eminente ataque. Nem manifesta qualquer intenção de agarrar minha mão estendida a livrar-lhe do inevitável desfecho.
Como se experimentasse o conformismo da inevitabilidade, a vítima ainda ri da situação. E de mim, que estou desesperado para salvar-lhe. Enfim, suscita-se uma situação absurda e paradoxal: meus gritos de alerta irritam a vítima mais do que a assustam diante do predador que irá devorá-la.
E o inevitável, por fim, acontece. O predador crava os dentes no dorso da presa. Mas ela parece não sentir dor, mas, sim, bizarro deleite. Não é mero masoquismo. É algo mais repulsivo.
É como se estivéssemos em uma peça de teatro e a trama fosse parte das próprias personagens. A presa, agora começando a ser devorada, acusa o predador por devorá-la impiedosamente, enquanto procura uma fulgaz distração. Passa a observar compulsivamente imagens tragicômicas de outras vítimas dançando despercebidas, mas cientes de que serão as próximas presas. Enquanto pedem que eu silencie os gritos de alerta contra o predador que irá devorar a todos.
Até que eu me canso de gritar. E meu olho torna-se inerte. Tão inerte quanto as presas que estão prestes a serem dilaceradas pelo grande predador.