domingo, 7 de setembro de 2014

Você é contra ou a favor da LEGALIZAÇÃO do DIVÓRCIO?


Não. Não escrevi errado. A pergunta é essa mesmo: você é contra ou a favor da legalização do divórcio? Fiz essa pergunta provocativa nas redes sociais* e as respostas foram as mais variadas. Alguns entenderam a analogia, para outros a palavra "legalização" passou despercebida e a resposta foi simplesmente sobre o divórcio. Curiosamente, ninguém se declarou contra o divórcio.


O Brasil foi um dos últimos países do mundo a legalizar o divórcio. Ainda que a frase "até que a morte os separe" muitas vezes não fosse levada à risca, somente após a Lei nº 6.515 de 1977 foi possível a muitas pessoas regressar à legalidade, já que até então o Código Civil não permitia a separação. Se houvesse redes sociais em 1977, com certeza teriam sido inundadas de críticas à legalização do divórcio como uma aberração e um atentado contra a família.

A Lei nº 6.515/77 foi um inequívoco avanço. Embora à época a igreja católica tivesse bradado contra sua aprovação, alegando que era um atentado contra a família, na prática a lei concedeu um direito importante aos cidadãos, especialmente às mulheres.

Uma mulher que fosse abandonada pelo marido praticamente se tornava um zumbi social. Carregava o estigma pelo resto da vida, independentemente de ser ou não responsável pela separação. E, pior, caso tentasse reconstruir a vida amorosa com outro homem, ela era literalmente uma criminosa, já que legalmente estava casada e o então Código Civil tratava o adultério como crime – ainda que a mulher já estivesse separada na prática. Ou seja, a lei sempre era a favor do homem e contra a mulher.

Há algumas décadas, mulher separada era estigmatizada pelo resto da vida. E se tentasse reconstruir a vida amorosa era criminosa,
uma vez que o Código Civil tratava o adultério como crime!


Assim, o homem casado e sexualmente insatisfeito podia frequentar livremente os prostíbulos sem qualquer questionamento social. Pelo contrário: havia até certo apoio tácito por parte da sociedade. À mulher, era reservado o "direito" de permanecer calada, oprimida e muitas vezes espancada pelo cônjuge.

O homem casado podia frequentar livremente
os prostíbulos para satisfazer as vontades sexuais.
Havia até certo apoio tácito por parte da
sociedade quanto a esse "direito".


Hoje, ninguém questiona a legalidade do divórcio. Ainda que dentro da igreja católica a prática ainda seja considerada pecaminosa, do ponto de vista dos direitos civis, o direito ao divórcio hoje é intocável e inquestionável. Igrejas protestantes aceitam o divórcio. Aliás, uma das razões da existência do protestantismo é exatamente a interpretação sobre o direito ao divórcio. Henrique VIII, então rei da Inglaterra no século 16, rompeu com o papado católico para conseguir se divorciar, fortalecendo as bases da igreja protestante anglicana.

Henrique VIII rompeu com a igreja católica em
1527 para se divorciar de Catarina de Aragão


Se o pastor Everaldo, que hoje brada supostamente em favor da família, vivesse antes do século 16, por certo seria condenado exatamente por atentar contra a família, já que o pastor é divorciado. Hoje, o mesmo pastor Everaldo trava uma espécie de cruzada contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Veja bem: união CIVIL. Não união religiosa.

Pastor Everaldo diz defender a família.
Se vivesse no século 15, ele, que hoje é divorciado,
seria acusado de atentar contra a família.


Assim como o divórcio é condenado pela igreja católica, já que "o que Deus uniu, o homem não separa" – seja lá o que quer dizer essa frase, já que não se tem notícia de que Deus tivesse aparecido pessoalmente para celebrar um matrimônio – o casamento de pessoas do mesmo sexo é condenado pelas igrejas cristãs, islâmicas e judaicas. Certo. Até aí, nenhum problema. Afinal, religiões tratam-se de CRENÇAS e cada um tem o direito de acreditar naquilo que quiser.


Agora, do ponto de vista dos direitos CIVIS, cada um tem o direito de fazer da própria vida sexual aquilo que bem entender, desde que as partes envolvidas estejam de comum acordo. Considerando-se que vivemos em um Estado laico, não tem sentido a intervenção das igrejas nos direitos civis. A sociedade e a lei devem respeitar a vontade individual das pessoas. Porque, querendo a igreja ou não, pessoas do mesmo sexo continuarão a se unir afetiva, sexual e conjugalmente. Negar-lhes esse direito é equivalente a negar o direito civil ao divórcio – fato que hoje ninguém questiona.

Ninguém quer obrigar as igrejas a aceitar o
matrimônio religioso entre pessoas de mesmo sexo.
Mas o casamento CIVIL homoafetivo deve ser um
direito inegável, tanto quanto o divórcio hoje é.