O Brasil precisava de um choque de realidade. Durante
décadas, alimentado pelo ufanismo sem sentido das redes de televisão, parece
que a única coisa que fazia do Brasil ser "o Brasil" era o futebol. O
mundo nos "respeitava" por sermos o país do futebol. Éramos "a
pátria de chuteiras". O único tecido social que nos unia de norte a sul
era o futebol.
Desperdiçamos infindáveis recursos financeiros, materiais, tecnológicos e humanos em tudo o que tem a ver com futebol. Horas e horas de transmissões de rádio e TV, folhas e folhas de revistas, jornais, livros... Tudo falando sobre futebol. Brasileiros de destaque somente aqueles que têm envolvimento direto ou indireto com o tema.
O futebol é a única grande indústria seriamente
consolidada no Brasil, lógico, com todo aquele ranço do "jeitinho
brasileiro" em todos os espectros, em que somente se respeitam as leis e
regras que convierem aos interesses da cartolagem. Sempre que "necessário",
as regras eram torcidas e/ou distorcidas para beneficiar aos detentores do
poder fora das quatro linhas. Assim, criaram-se verdadeiros feudos dentro do
futebol brasileiro, vinculados ao grande feudo – FIFA – com aura de um deus
tortuoso que tudo pode e tudo faz. Ainda assim, construiu-se ao longo das
décadas uma "cadeia de produção" nacional voltada ao desenvolvimento
do futebol. Que funcionou tão bem que fez com que o país fosse o que maior
número de vitórias em Copas do Mundo obtivesse, já que, como todos bem sabem,
"somos pentacampeões".
Fora do futebol, quase nada importa. A Educação está sendo
esfacelada ao longo de décadas. A saúde está em situação calamitosa. A
segurança ganha contornos de uma verdadeira guerra civil. Os transportes
públicos funcionam pessimamente e os grandes centros estão praticamente parando
em meio ao número crescente de veículos individuais. A corrupção é um problema
endêmico na História do Brasil, sendo retroalimentada pela impunidade. Mas não
tem problema: "somos penta"!
No futebol, reinávamos supremos. Éramos respeitados,
temidos! A "amarelinha" intimidava adversários dos países desenvolvidos.
E isso afagava nossos egos. Mas agora isso acabou! E talvez se levem décadas
até que o Brasil recupere a confiança na capacidade de formar uma seleção, o
que já vinha acontecendo desde 2006. É possível que nenhum de nós esteja vivo
para ver novamente a seleção brasileira ser campeã de uma Copa do Mundo,
tamanho o efeito que essa chacoalhada que o Brasil levou no Mineirão possa vir
a ter.
O principal locutor da TV brasileira gostava de dizer
que a Alemanha "faz algo parecido com o futebol, mas que dá certo",
referindo-se ironicamente à forma técnica, porém, "fria", "sem
criatividade", "sem talentos individuais", que era nossa marca
registrada naquilo que achávamos que fazíamos melhor no mundo. Agora, esse
choque de realidade mostrou que não é bem assim. Que a organização tática, a
construção do talento da equipe, que a preparação metódica, articulada e
integrada pode massacrar talentos individuais.
Que essa surra para a Alemanha nos inspire. Não dentro
dos campos, mas fora deles: na organização social, política e econômica do país.
Que o povo brasileiro acorde para o fato de que as vitórias ou as derrotas no
futebol em nada acrescenta ou diminui nas nossas vidas. Que o povo brasileiro
passe a cobrar dos políticos a mesma eficiência que cobra da seleção brasileira
e dos times de futebol. Que use essa mesma energia, essa mesma capacidade de
mobilização em prol do que realmente importa para todos nós: o desenvolvimento
socioeconômico. Que busque o "padrão FIFA" na Educação, saúde,
segurança, transportes, energia, etc. Assim como faz o povo alemão.