Vai ter Copa, é óbvio! Ninguém, em
sã consciência, acredita que depois de quase R$26 bilhões – cerca de 1,3% do
PIB – gastos com o evento esportivo que gera mais receitas com publicidade do
mundo, o poder público e a sociedade de maneira geral iria aceitar que a Copa
não acontecesse.
Fotomontagem: Rebaixada.org e Veja. |
É óbvio também que os gastos
públicos com o evento são questionáveis. Principalmente aqueles destinados à
construção dos estádios "padrão FIFA". Do total de R$8 bilhões,
segundo informa o site da Folha de S.
Paulo [1],
cerca de 90% vieram de financiamentos dos bancos federais e das unidades da
federação (Estados e o Distrito Federal).
Com os R$7,2 bilhões
"investidos" pelos bancos federais e unidades da federação na
construção dos estádios, seria possível construir 250 hospitais, 66 mil casas
populares e remunerar mais de 15.900 professores durante 20 anos (com base no piso
salarial de R$1.697, estabelecido em 2014 pelo governo federal para o FUNDEB).
Questionável também é o decreto nº
7.578, de 11 de outubro de 2011, que concede generosas isenções fiscais à FIFA,
em um país onde a população de baixa renda é quem paga proporcionalmente o
maior volume de tributos (para mais informações sobre isso, assista no YouTube
ao vídeo "Sorria! Você está sendo tributado").
Ainda são polêmicos os R$1,9 bilhões
gastos pelo governo federal com a segurança do evento. Notoriamente, isso
significa usar o poder público em benefício de interesses privados.
Mas, enfim, qual será o legado da
Copa? O que mais interessa à população são os legados relacionados à mobilidade
urbana e infraestrutura geral (portos, aeroportos e telecomunicações).
Apesar dos R$8,1 bilhões gastos por
bancos federais, unidades da federação e municípios com mobilidade urbana,
quase nada mudou. A população percebe isso. Ainda que inconscientemente, essa
poderia ser uma das razões que motivaram as manifestações de junho de 2013:
como é possível ter transportes públicos tão caros e, ao mesmo tempo,
desconfortáveis e ineficientes? Mesmo com um volume expressivo de investimentos
em mobilidade urbana, os benefícios fiscais às montadoras, estimulando o uso do
transporte rodoviário individual, sobrecarregaram os grandes centros urbanos. E a "solução" encontrada pelo
governo para resolver o problema seria risível, não fosse vexatória: decretar
feriado municipal nos dias em que acontecem jogos da Copa. Ou seja, o
reconhecimento de que os investimentos com mobilidade urbana ficaram muito
aquém do mínimo necessário.
Quem transita pelos aeroportos
beneficiados com os investimentos da Copa também identifica graves problemas. Os
atrasos na entrega das obras obrigaram a Infraero a fazer os
"puxadinhos" e a colocar tapumes para esconder mais um flagrante de
ineficiência do poder público. Apesar dos R$2,7 bilhões gastos pelo governo
federal, os usuários correm o risco de conviver ad æternum com os improvisos, caso não sejam tomadas providências
pelos órgãos encarregados de fiscalizar a execução das obras, como o Tribunal
de Contas da União.
Perdendo ou ganhando a Copa 2014, a
conta que o país deve fazer é: quanto custou o evento e quanto isso trará de
benefícios no curto e no longo prazos.
No curto prazo, a entrada de
recursos provenientes do turismo pode alcançar R$25,2 bilhões segundo o site do governo [2].
O que seria suficiente para "empatar o jogo". Embora a maior parte
desses recursos fique concentrada nas mãos do setor privado, enquanto a maior
parte dos gastos foi despendida pelo setor público, levando inexoravelmente
àquela velha máxima de "capitalizar os lucros e socializar os
prejuízos".
Com publicidade, estima-se uma
movimentação de US$2,9 bilhões (cerca de R$6,5 bilhões). Apesar dos US$3,5
bilhões [3] (aproximadamente R$7,8 bilhões) que deixarão o Brasil pela conta de remessa de
lucros pelas mãos da FIFA, piorando o nosso deficitário saldo de transações
correntes.
No longo prazo, os benefícios para o
país dependem da cobertura da mídia internacional ao evento. A segurança
pública – com a qual a população sofre no dia-a-dia – será decisiva para
melhorar ou piorar a imagem do Brasil no exterior, o que pode aumentar ou
diminuir o turismo no Brasil nos próximos anos. Eventuais queixas de turistas
com furtos e roubos podem agravar a imagem de "país de ladrões". Além
de que os prováveis protestos que acontecerão em todo o Brasil poderão ser um
recado aos estrangeiros de que "o rei está nu".
Enfim, a população deve exigir uma
intensa investigação sobre os flagrantes casos de superfaturamento com as
obras, em especial no caso dos estádios. Dos R$6,08 bilhões originalmente
orçados, o valor executado chegou a R$8,33 bilhões. E identificar os
beneficiários desses valores é relativamente simples: basta SEGUIR O DINHEIRO.
Isto é, uma simples quebra de sigilo bancário pode identificar aqueles que se
beneficiaram de um sobrepreço de quase 37%. Uma severa punição aos predadores
dos cofres públicos seria o melhor legado que a Copa 2014 poderia deixar ao Brasil.
Mas, infelizmente, é pouco provável que isso aconteça no país da impunidade.
[1]
http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2014/05/82605-o-mundial-e-as-despesas-do-governo.shtml,
acesso em 09 de junho de 2014.
[2]
http://www.brasil.gov.br/esporte/2014/06/copa-do-mundo-2014-comeca-em-dez-dias,
acesso em 09 de junho de 2014.