As recentes manifestações nas
capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo contra mais um aumento abusivo nas
tarifas públicas têm provocado uma espécie de transtorno bipolar no quarto
poder. Inicialmente, a mídia parecia desprezar as razões iniciais dos protestos.
Segundo os organizadores do evento, as manifestações foram planejadas para
ocorrer de forma pacífica, embora seja impossível controlar os atos de uma
multidão descontente.
As manifestações: inocentes agredidos de um lado, vândalos de outro. Fotomontagem: Folha de S. Paulo, 2013. |
Assim, as câmeras – afoitas por boas
oportunidades de elevar o Ibope – focalizaram à exaustão o quebra-quebra
provocado por anônimos que não estavam necessariamente preocupados com as
causas originais dos protestos. Pichações, destruição de patrimônio público,
agressão a policiais... Quem assistia às imagens das manifestações pelas
câmeras dos Datenas da vida, com o estilo já conhecido de tratar a todos como
se fossem bandidos, certamente tinha a impressão de que se tratava de uma nova
onda de atentados do PCC.
Em um país que investe pouco em Educação, o despreparo está em todos os lugares. Fotomontagem: Folha de S. Paulo, 2013. |
Mas o despreparo da PM, somado ao
estresse que os policiais têm de enfrentar no dia-a-dia e a uma dose de
sentimento de poder acima da própria lei, causaram uma mudança repentina na
forma como o quarto poder passou a tratar a cobertura dos protestos. Sob a
máxima de “atirar primeiro e perguntar depois”, os policiais passaram a agredir
indiscriminadamente a todos os que estavam na multidão, de profissionais que saíam
de seus escritórios “no lugar errado e na hora errada” aos próprios jornalistas
que cobriam o evento portando vinagre para atenuar os efeitos do gás
lacrimogêneo.
E apesar da “linha editorial” do
quarto poder ser definido por meia dúzia de oligarcas que dominam o noticiário
do Brasil há pelo menos cinco décadas, quem está em campo para cumpri-la são,
antes de jornalistas, pessoas. Por mais que as ordens venham “de cima”, fica
muito difícil ficar do lado daqueles que supostamente apenas desejam manter a
ordem, quando estes disparam balas de borracha no rosto de... Pessoas. Pior:
muitos se esquecem de que vivemos hoje na era digital, em que qualquer celular
tem câmera de alta resolução e que todos são potencialmente cinegrafistas. E os
vídeos postados no YouTube por pessoas comuns deixam poucas dúvidas sobre a
incapacidade da polícia de lidar com os manifestos, fosse na agressão fortuita,
fosse no velho hábito de forjar provas, como o que mostrava um policial
quebrando a própria viatura da PM para colocar a culpa nos manifestantes.
Os vídeos postados no YouTube por pessoas comuns deixam poucas dúvidas sobre a incapacidade da polícia de lidar com os manifestos. Fonte: Folha de S. Paulo, 2013. |
Mas o despreparo da polícia não é
culpa dos policiais, é preciso que isso fique bem claro! É sempre bom lembrar
que policiais cumprem ordens. A pergunta chave que ainda não foi feita é: de
quem partiu a ordem de atirar balas de borracha e agredir com cassetetes de
forma aleatória contra qualquer um que estivesse na multidão? Os Secretários de
Segurança dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro têm a obrigação de vir a
público dar essas respostas. Porque o silêncio revela aterrador consentimento
no episódio.
Mais aterrador ainda é o silêncio
das Prefeituras. Afinal, são elas as responsáveis por autorizar ou não os
aumentos das passagens de ônibus. E não há declarações alentadoras de que algo
será feito para, pelo menos, dar uma resposta às manifestações. É óbvio que é
inviável o “Passe Livre”, como querem alguns manifestantes. Mas é viável que
seja pago um valor fixo por mês que dá direito ao usuário fazer quantas viagens
quiser, assim como ocorre nas grandes cidades da Alemanha. E é viável que se
melhorem as condições dos transportes coletivos nos grandes centros urbanos.
Por que não trazer algumas alternativas viáveis, que ofereçam transporte
coletivo de boa qualidade e que desonerem o bolso do trabalhador? Isso é algo em
que deveria pensar o excelentíssimo prefeito de São Paulo, que é do Partido
dos... Trabalhadores!
É inviável o “Passe Livre”. Mas é viável que se melhorem as condições dos transportes coletivos nos grandes centros urbanos. Fonte: Folha de S. Paulo, 2013. |
Prefeituras, Estados e União. Quando
o assunto é desoneração tributária “para valer” – e não em peças de propaganda
política – as diferenças partidárias desaparecem. No cerne do alto custo das
tarifas públicas estão os tributos cobrados pelas três esferas de poder. Para
ser fabricado um ônibus, incidem Cofins e PIS de competência federal, além do
ICMS estadual. Para manter um ônibus coletivo, anualmente é cobrado IPVA de
competência estadual. Sobre as passagens urbanas incidem o ICMS estadual e o
ISSQN municipal. Sobre o diesel combustível, incidem IPI, ICMS, Cofins, PIS e
CIDE.
Apesar da “benevolência” concedida
pelo governo federal de ter isentado Cofins e PIS das empresas de transporte
público – uma clara tentativa de “jogar para a torcida” – todo o efeito cascata
está aí! Segundo o site “Quanto Custa
o Brasil”, a carga tributária nas passagens urbanas de transporte coletivo é de
22,95% [i].
Valor que considera apenas os tributos sobre o serviço prestado, tais como
ICMS, ISSQN, Cofins e PIS sobre a passagem. Mas que pode ser mais alto se forem
levados em conta os tributos que incidem sobre a aquisição dos ônibus, tais
como ICMS, PIS e Cofins (que encarecem os custos de depreciação) e o principal custo
tributário de manutenção, o IPVA.
Eis a verdadeira razão: desconversar
quando algum problema conjuntural requer uma ação de ordem estrutural. Para
resolver o “pequeno” problema das caras passagens de ônibus de má qualidade, a solução passa
pela reforma tributária. Nos países desenvolvidos, tributos são majoritariamente
cobrados sobre a renda e a propriedade de forma progressiva, ao passo que os
tributos indiretos – que incidem sobre o consumo – tendem a ser minimizados.
Quando produtos e serviços têm alta carga de tributos sobre o consumo, é a
população de renda mais baixa que tende a ser mais onerada. O que está bom para
aqueles que determinam as linhas editoriais, para quem fabrica o produto ou
presta o serviço e para quem está no poder (seja de esquerda, direita ou
centro). Só não está bom para quem é o mais interessado: o povo!
Nos países desenvolvidos, os principais tributos são cobrados sobre a renda e a propriedade de forma progressiva. Produtos e serviços com alta carga de tributos oneram a população de renda mais baixa. Fonte: Google Maps, 2013. |