quinta-feira, 13 de junho de 2013

Será que o povo brasileiro acordou?

“Deitado eternamente em berço esplêndido”, o povo brasileiro vive em uma espécie de anestesia permanente. Como se não ligasse para a dor dos tantos problemas que temos em séculos de história, assiste pacificamente aos episódios de injustiças sociais e exemplos infindáveis de ineficiência econômica sob uma espécie de conformidade patológica. Exceto apenas espasmos de revoltas, eventuais xingamentos fortuitos em conversas de boteco e algumas vaias esporádicas a políticos corruptos para chancelar a máxima de Lima Barreto: “o Brasil não tem povo, tem público”.

O povo brasileiro vive sob anestesia permanente. Será que acordou?

Fotomontagem: Medicina Intensiva e UOL, 2013.


É o país do futebol, do carnaval, das telenovelas e dos realities shows – circo suficiente para fazer esquecer os problemas com o pão nosso de cada dia. As exigências do povo brasileiro são bastante modestas. Basta que os dirigentes dos times invistam em craques de ponta, que não falte o “direito a uma alegria fugaz” em quatro ou cinco dias de “uma ofegante epidemia”, que o mocinho se case com a mocinha no último capítulo e que o zoológico humano recompense aquele que mais mereceu o prêmio de um milhão de reais.
Simples assim. Cumpridas essas condições, são esquecidas a violência e criminalidade urbana, as precárias condições da saúde, a calamitosa situação das escolas públicas, os gargalos de infraestrutura de transporte, logística e energia. E ficam todos anestesiadamente felizes, sob a trilha sonora do sertanejo universitário, do funk de ostentação e do axé music. Ainda que prisioneiros em muros cada vez mais altos, sob segurança particular cada vez mais reforçada e imersos em espécie de paranoia de ser assaltado em qualquer esquina. Características de uma verdadeira esquizofrenia social.
E os políticos mal intencionados, que são obviamente a maioria, atrás do palco desse cenário dantesco, podem articular toda a sorte de falcatruas, de interesses escusos e de lobbies visando favorecimento daqueles que têm o poder de sobrepujar o interesse público para vencer a concorrência da forma mais desleal possível. É a fórmula perfeita para manter um estranho equilíbrio: a velha fórmula do pão e circo, agora com elementos tecnológicos de tablets e smartphones.
Mas os problemas sociais e econômicos estão aí! De vez em quando, alguém corta o soro e o efeito anestésico parece cessar. As manifestações nas capitais do Rio de Janeiro e principalmente de São Paulo trazem à tona um problema óbvio de décadas de má administração: os transportes públicos. Apesar do vandalismo praticado por aqueles que se aproveitam do anonimato que manifestações sociais podem gerar, os recentes protestos fazem um justo questionamento: por que um sistema de transporte de qualidade tão ruim é tão caro?
E as autoridades – sejam elas federais, estaduais ou municipais – têm sempre a mesma resposta quando esse tipo de questão surge. Aliás, a mesma “não resposta”. Não há como justificar o injustificável! Não há como explicar por que pagamos 35% de nossos salários em uma gama de tributos, mas não temos segurança pública e um sistema judiciário eficaz e funcional. Não há desculpas para o fato de pagarmos pesados encargos para seguridade social e não termos hospitais públicos de boa qualidade. Não há como racionalizar o fato de sustentarmos inúteis assessores parlamentares com salários escorchantes, mas não remunerarmos condignamente os professores para educar as crianças para a vida profissional, pessoal e para o exercício da cidadania. Não há como validar o pagamento de pesados impostos como IPTU e IPVA, embora precisemos andar em ônibus e metrôs superlotados, ou colocar nossos automóveis em estradas em péssimas condições de conservação – a menos que um pedágio nos obrigue a pagar de novo por um serviço que já pagamos!
Daí, as autoridades desviam o foco: são atos de delinquentes, de marginais, de desocupados – os subversivos da outrora ditadura. Passam-se anos, passam-se as décadas. Mudam os agentes no poder, mudam os discursos, mudam-se os “termos técnicos”. Tudo muda, mas nada muda. Paradoxo clichê, mas inevitável.
Será que o povo agora acordou? Infelizmente, tudo leva a crer que se trata apenas de mais um espasmo. Assim como o “Fora Collor”, as “Diretas Já” e  outros poucos da história recente. Logo alguém relembra: “o brasileiro é cordial”! E que venha a Copa! Afinal, somos pentacampeões (sic)! E assim reascenderá aquele velho ufanismo do locutor gritando “olha o gol, olha o gol” e sob a vinheta “Brasil-zil-zil”. O enfermeiro troca o soro da anestesia e o paciente retorna ao coma induzido.