“Deitado eternamente em berço esplêndido”,
o povo brasileiro vive em uma espécie de anestesia permanente. Como se não
ligasse para a dor dos tantos problemas que temos em séculos de história,
assiste pacificamente aos episódios de injustiças sociais e exemplos
infindáveis de ineficiência econômica sob uma espécie de conformidade
patológica. Exceto apenas espasmos de revoltas, eventuais xingamentos fortuitos
em conversas de boteco e algumas vaias esporádicas a políticos corruptos para
chancelar a máxima de Lima Barreto: “o Brasil não tem povo, tem público”.
O povo brasileiro vive sob anestesia permanente. Será que acordou?
Fotomontagem: Medicina Intensiva e UOL, 2013.
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É o país do futebol, do carnaval,
das telenovelas e dos realities shows
– circo suficiente para fazer esquecer os problemas com o pão nosso de cada dia.
As exigências do povo brasileiro são bastante modestas. Basta que os dirigentes
dos times invistam em craques de ponta, que não falte o “direito a uma alegria
fugaz” em quatro ou cinco dias de “uma ofegante epidemia”, que o mocinho se
case com a mocinha no último capítulo e que o zoológico humano recompense aquele
que mais mereceu o prêmio de um milhão de reais.
Simples assim. Cumpridas essas
condições, são esquecidas a violência e criminalidade urbana, as precárias
condições da saúde, a calamitosa situação das escolas públicas, os gargalos de
infraestrutura de transporte, logística e energia. E ficam todos anestesiadamente
felizes, sob a trilha sonora do sertanejo universitário, do funk de
ostentação e do axé music. Ainda que
prisioneiros em muros cada vez mais altos, sob segurança particular cada vez mais
reforçada e imersos em espécie de paranoia de ser assaltado em qualquer esquina.
Características de uma verdadeira esquizofrenia social.
E os políticos mal intencionados, que
são obviamente a maioria, atrás do palco desse cenário dantesco, podem articular
toda a sorte de falcatruas, de interesses escusos e de lobbies visando favorecimento daqueles que têm o poder de sobrepujar
o interesse público para vencer a concorrência da forma mais desleal possível.
É a fórmula perfeita para manter um estranho equilíbrio: a velha fórmula do pão
e circo, agora com elementos tecnológicos de tablets e smartphones.
Mas os problemas sociais e
econômicos estão aí! De vez em quando, alguém corta o soro e o efeito
anestésico parece cessar. As manifestações nas capitais do Rio de Janeiro e
principalmente de São Paulo trazem à tona um problema óbvio de décadas de má
administração: os transportes públicos. Apesar do vandalismo praticado por
aqueles que se aproveitam do anonimato que manifestações sociais podem gerar,
os recentes protestos fazem um justo questionamento: por que um sistema de
transporte de qualidade tão ruim é tão caro?
E as autoridades – sejam elas
federais, estaduais ou municipais – têm sempre a mesma resposta quando esse tipo de questão surge. Aliás, a mesma “não resposta”. Não há como justificar o
injustificável! Não há como explicar por que pagamos 35% de nossos salários em uma
gama de tributos, mas não temos segurança pública e um sistema judiciário
eficaz e funcional. Não há desculpas para o fato de pagarmos pesados encargos
para seguridade social e não termos hospitais públicos de boa qualidade. Não há
como racionalizar o fato de sustentarmos inúteis assessores parlamentares com
salários escorchantes, mas não remunerarmos condignamente os professores para educar
as crianças para a vida profissional, pessoal e para o exercício da cidadania. Não
há como validar o pagamento de pesados impostos como IPTU e IPVA, embora precisemos
andar em ônibus e metrôs superlotados, ou colocar nossos automóveis em estradas
em péssimas condições de conservação – a menos que um pedágio nos obrigue a
pagar de novo por um serviço que já pagamos!
Daí, as autoridades desviam o foco: são
atos de delinquentes, de marginais, de desocupados – os subversivos da outrora
ditadura. Passam-se anos, passam-se as décadas. Mudam os agentes no poder,
mudam os discursos, mudam-se os “termos técnicos”. Tudo muda, mas nada muda.
Paradoxo clichê, mas inevitável.
Será que o povo agora acordou?
Infelizmente, tudo leva a crer que se trata apenas de mais um espasmo. Assim
como o “Fora Collor”, as “Diretas Já” e outros poucos da
história recente. Logo alguém relembra: “o brasileiro é cordial”! E que venha a
Copa! Afinal, somos pentacampeões (sic)! E assim reascenderá aquele velho
ufanismo do locutor gritando “olha o gol, olha o gol” e sob a vinheta “Brasil-zil-zil”.
O enfermeiro troca o soro da anestesia e o paciente retorna ao coma induzido.