Foto: Future Technology Portal, 2012. |
1- Segundo o
documento “A Indústria e o Brasil”, da CNI (Confederação Nacional da
Indústria), o caminho para mais crescimento passa pela diversificação da
produção e exportação de manufaturas. O Brasil tem fôlego para diversificar e
exportar mais em 2012?
R.: O espaço é limitado. A diversificação está
relacionada à capacidade produtiva, o que tem a ver com as vantagens
comparativas e com a disponibilidade dos fatores de produção, mas
principalmente na capacidade de consolidar essas vantagens. Especialmente no
que diz respeito à P&D (Pesquisa & Desenvolvimento), que, no Brasil, é
algo que ainda não está ao alcance de muitas empresas, em grande parte pelos
altos custos tributários relativos a esse tipo de investimento.
Quanto ao aumento de exportação, essa variável é função
direta da competitividade da taxa de câmbio e da demanda estrangeira. E ambas
vivem um período desfavorável no caso brasileiro. A taxa de câmbio está
sobrevalorizada, em particular pela entrada de capitais financeiros, atraídos,
em parte, pelas altas taxas de juros. E a demanda externa vive um momento de
incertezas pela estagnação na Europa e nos EUA, além da possibilidade de
desaceleração da economia chinesa. O fator “China” é o que tem favorecido o
Brasil nas contas externas, porque o consumo daquele país tem elevado os preços
das commodities no mercado internacional. Se a China desacelerar, os preços de
produtos como soja, açúcar e aço podem cair, o que poderia prejudicar o saldo
comercial brasileiro.
2- Como podemos
concorrer com a China e a Índia, por exemplo, que realizam grandes
investimentos em inovação e também em infraestrutura? Uma mudança agora
demandaria enormes investimentos por parte do governo, que tem sabidamente um
déficit estratégico e de execução. Como superar esse problema?
R.: A China e a Índia, durante muito tempo, competiram
no mercado internacional por meio do fator de produção “trabalho”. A
mão-de-obra barata desses países possibilitou a venda de mercadorias para o
mundo todo e atraiu parte expressiva dos investimentos diretos do exterior, a
ponto de serem denominadas as “fábricas do mundo” na década de 1990.
A China iniciou uma mudança desse padrão no início da
década de 2000, com pesados investimentos em C&T (Ciência &
Tecnologia), para dar o salto produtivo que a Coreia do Sul deu nos anos 1980.
E está sendo muito eficaz nesse processo, diga-se de passagem. Por exemplo, as
montadoras chinesas estão se tornando cada vez mais fortes em todo o mundo. Em
breve, a China deixará de ser conhecida pejorativamente como produtora de
“ching lings” e se tornará forte em produtos de alta tecnologia, assim como
Japão e Coreia do Sul, além de EUA e Europa.
E o Brasil ficou estagnado neste processo. Na segunda
metade da década de 1990, o então governo FHC cometeu dois erros estratégicos
importantes. Em primeiro lugar, acreditou que a estabilidade econômica por si
só traria um ambiente favorável à P&D e as empresas começariam a investir.
Segundo, como consequência do primeiro, o Estado poderia diminuir a
participação de seus gastos nessa área e se concentrar em setores que
considerou mais importantes, como Educação e Infraestrutura – além dos pesados
encargos da dívida pública, que então comprometiam um percentual elevado dos
gastos do governo.
Os governos Lula e Dilma não mudaram substancialmente
essa política. Na hierarquia dos orçamentos públicos, C&T continua no
“final da fila”. Pior: os investimentos em Infraestrutura continuam aquém do
necessário, porque as preocupações acabam sendo muito mais em afagar os
partidos da base de coalizão do que traçar um plano estratégico para fazer o
Brasil sair da dependência de tecnologia estrangeira.
Como sair disto? É urgente que os investimentos em
C&T entrem nas prioridades das políticas públicas, assim como Educação,
Saúde e Infraestrutura. Os governantes precisam estar convencidos de que
C&T é uma questão de sobrevivência no comércio exterior e que, sem isso, o
Brasil ficará à mercê das intempéries do sistema financeiro internacional.
Aliás, o Brasil tem um problema adicional a lidar nessa
área: como fazer com que a tecnologia desenvolvida nos centros estatais de
pesquisa chegue às empresas brasileiras e, enfim, à população brasileira. O
processo de inovação no Brasil muitas vezes é relegado ao segundo plano porque
o empresariado brasileiro simplesmente não se interessa ou não consegue
produzir devido a processos burocráticos e afins.
3- Sabendo que a
sustentabilidade é uma exigência cada vez maior por parte dos países
importadores, a indústria brasileira tem um crescimento sustentável capaz de suportar
essas exigências?
R.: Quando se trata do comércio exterior, o conceito
que os países importadores têm de sustentabilidade está muito mais associado ao
“que contém este produto” do que à “forma como este produto foi fabricado”.
Quando se fala em sustentabilidade em amplo sentido, está-se falando das duas
coisas. Ora, tanto para se obter produtos com baixo teor de componentes
tóxicos, como para se fabricar bens com mínimo impacto ao meio ambiente, são
necessários custos adicionais. E custos mais altos significam lucros mais
baixos, invariavelmente.
O ambiente econômico, social e político no Brasil
muitas vezes incentiva as empresas a agirem de forma não sustentável, apesar do
discurso. Falta de fiscalização e impunidade são os dois principais fatores desse
comportamento, que vão à contramão da sustentabilidade. E o Brasil tem ambos!
Ocorre que as empresas brasileiras eventualmente tentam
reproduzir os padrões que adotam no mercado interno para os consumidores
estrangeiros. Quando há algum tipo de restrição aos produtos brasileiros por
não se adequarem aos padrões internacionais, levanta-se a bandeira do
protecionismo que nem sempre é justificada. Assim, algumas empresas brasileiras
exportadoras sofrem desgaste de suas marcas no exterior, passam a incorrer em
altos custos para reverter a imagem negativa gerada e atender às exigências do
mercado consumidor estrangeiro. E só aí o consumidor brasileiro pode obter os
benefícios das melhorias.
O caminho correto é o inverso. Cito o exemplo da
Alemanha, o 2º maior país exportador do mundo. Os produtos que a Alemanha
exporta devem agradar em primeiro lugar ao consumidor local. A escala gerada a
partir daí permite a exportação do excedente de produção, com qualidade
reconhecida mundialmente. E como a sustentabilidade faz parte do cardápio das
exigências locais, o país tem condições de exportar atendendo aos próprios
critérios.
Se o Brasil não percorrer caminho parecido, continuará
com o discurso versus a prática.
4- Corremos o
risco de ser um país agrícola? Em outras palavras, já somos um dos maiores
exportadores de commodities do mundo. É possível agregar também a indústria
manufatureira nesse rol de exportações recordes?
R.: Esse é um risco que começou a ser combatido na Era
Vargas, ainda na década de 1930. Nos anos 1950, a CEPAL tinha uma visão clara e
verdadeira de que países que exportam produtos com baixo valor industrial estão
fadados à “deterioração dos termos de troca”. Deterioração dos termos de troca
pode ser medido hoje da seguinte forma: uma tonelada de soja hoje, no mercado
internacional, custa cerca de US$470, e um chip de computador de última geração
custa quase US$1.000[1]. Assim, é necessário exportar mais de duas
toneladas de soja para importar um único chip de computador. E essa diferença
em termos de produtos primários e produtos manufaturados já foi bem maior até o
fim da década de 1990.
Nos últimos dez anos, a tal deterioração dos termos de
troca parece ter desaparecido do debate, porque os preços das commodities nunca
estiveram tão altos. E, de novo, o fator China é o que explica essa anomalia do
sistema econômico. O consumo chinês no mercado internacional inflacionou os
preços das commodities e o Brasil foi um dos países que mais se beneficiou
desse processo. É isso o que explica os sucessivos recordes de exportações que
temos visto nos últimos anos – e que tem alavancado o crescimento econômico
expressivo do período 2006-2011.
Se pegarmos a pauta de exportações do Brasil hoje,
veremos que há uma centralização em produtos de baixo valor agregado. De alto
valor agregado, apenas veículos e aviões têm maior expressão. Para que a
indústria ganhe destaque no rol das exportações, é necessária uma política
industrial que trace estratégias (e, principalmente, efetive as estratégias
traçadas) com essa finalidade. Assim, voltamos ao tópico anterior: C&T da
parte do governo que alavanque P&D por parte das empresas.
5- A questão
tributária é um grande empecilho para o desenvolvimento do nosso mercado
externo. Como resolver essa questão?
R.: A questão tributária é, eu diria, crucial nesse
processo. Em primeiro lugar, o Brasil “exporta tributos”. Mesmo com a Lei
Kandir (de 1996), a cadeia de produção acaba arrastando alguns tributos para os
preços finais dos produtos exportados.
Em segundo lugar, o sistema tributário brasileiro é
altamente regressivo, ou seja, impinge um custo proporcionalmente maior a quem
tem renda menor. Qualquer produto que se adquire no mercado interno contém,
pelo menos, 40% de tributos embutidos.
Suponha um produto custe R$200, dos quais R$80
correspondem a tributos embutidos. Pensemos em uma família que ganhe R$800 e
outra que ganhe R$4.000 que irão comprar o mesmo produto. A primeira pagará 10%
da renda em tributos e a segunda, apenas 2%. Isso é regressividade tributária.
A regressividade tributária enfraquece a capacidade de
a indústria se sustentar com base no mercado interno. Sem força no mercado
interno, a dependência em relação ao comércio exterior é perigosa: qualquer
oscilação no mercado internacional pode levar a empresa a perder muito. O que
não acontece em países como a Alemanha, por exemplo.
Para resolver a questão só há uma forma: reforma
tributária. A reforma tributária correta deve, em primeiro lugar, simplificar
os tributos indiretos – que são os que incidem sobre o consumo, tais como IPI,
ICMS, COFINS, PIS e ISSQN – de forma a unificá-los em apenas um: o imposto
sobre valor agregado. Em segundo lugar, o imposto sobre valor agregado deve ser
cobrado no destino e não na origem como ocorre atualmente. Terceiro ponto: a
alíquota máxima não deve ser superior a 9%, sob o risco de encarecer
excessivamente os produtos e serviços ao consumidor. E, por fim, deve-se trocar
o peso dos tributos indiretos pela tributação direta, como imposto de renda
(principalmente da pessoa física) e impostos sobre propriedade, assim como
acontece nos países desenvolvidos – EUA, Europa, Japão e Coreia do Sul.
Ademais, a tributação indireta excessiva no Brasil gera
uma espécie de reserva de mercado: as empresas já instaladas detêm uma vantagem
adicional sobre as empresas potenciais ingressantes, já que os produtos acabam
sendo muito mais caros. Assim, planos de negócios são inviabilizados pelo alto
custo do produto final, causado pelos tributos indiretos como IPI, ICMS, COFINS
e PIS. Esse alto custo implica em uma demanda fraca e um risco extraordinário
ao empreendimento. Resultado: o plano de negócios é abandonado e as empresas já
instaladas tendem a formar oligopólios. A concentração de mercado é péssima
para a diversificação, o que vai contra a proposta de geração de mais
empreendimentos com maior valor agregado.
6- Segundo o
documento da CNI, “novas oportunidades de investimento na cadeia do petróleo se
abrem com o desafio de exploração de óleo e gás na camada de pré-sal”. A Índia
desenvolveu uma forte indústria farmacêutica com base na exploração do
petróleo. O Brasil será apenas mais um exportador de petróleo, ou conseguirá
desenvolver uma indústria forte com base na exploração de produtos de origem
petrolífera?
R.: Nunca é demais lembrar que o petróleo é uma fonte
de energia não renovável e altamente poluente – seja como fonte de energia,
seja como matéria-prima. Mesmo os países exportadores de petróleo já se
movimentam na direção de encontrar alternativas energéticas renováveis e menos
poluentes.
O Brasil pode se desenvolver como potência na área de
geração de energia dos derivados do petróleo, bem como na indústria
petroquímica. Desde que, obviamente, haja estratégia de governo traçada e
executada para isso. A ação do Estado, não só no Brasil, como em todos os
lugares do mundo desenvolvido, foi fundamental para orientar os investimentos
privados. Sem tal ação, os investimentos privados não se arriscarão em
empreendimentos com alto grau de incertezas e cujo retorno sobre investimento
oferece longos períodos para a recuperação do capital investido.
7- Desenvolver a
indústria nacional. Essa proposta apresenta uma problemática: boa parte da
indústria nacional tem origem estrangeira. Desenvolver essa indústria
fortalece, indiretamente, economias de outros países. Como criar uma indústria
puramente nacional, que concorra no mercado interno e externo com a indústria
estabelecida em nosso território? Por exemplo, a China está desenvolvendo um
forte mercado automotivo próprio, que se sustentou, a princípio, no mercado
interno, mas que agora ganhou outros países. É possível seguir esse rumo?
R.: A China entendeu claramente as regras do jogo. O
Brasil parece que ainda não.
A China encontrou algo que oferecia vantagens
comparativas de curto prazo – no caso, produtos fabricados com mão-de-obra
barata – mas não se deixou iludir pela teoria econômica que defende a tese de
que as mesmas vantagens comparativas mantêm o equilíbrio no longo prazo. Com o
tempo, a diversificação, os investimentos em capacidade produtiva e em
tecnologia são os itens que asseguram a verdadeira independência econômica.
A Inglaterra foi o primeiro país a dar esse passo com a
revolução industrial. Os EUA deram o salto no início do século 20 e se tornaram
a economia hegemônica contrariando tudo o que os modelos econômicos dos anos
1950 estabeleciam. Japão, Alemanha e Itália recuperaram suas economias após a
2ª Guerra Mundial com base nesse princípio. A Coreia do Sul deixou de ser um
país atrasado e agrário na década de 1960 para se tornar uma potência a partir
de meados da década de 1980. Agora, a China, ao que tudo indica, ocupará o
cargo de economia hegemônica do século 21.
O Brasil tem vivido à base de ciclos econômicos que
geram bolhas de crescimento localizadas. Mas não tem utilizado os bons momentos
para dar os passos seguintes. Não houve
uma estratégia claramente constituída, como se vê na China e na Coreia do Sul,
por exemplo, que fortalecesse a indústria doméstica incorporando a alta
tecnologia.
O capital estrangeiro em si não é problema. É solução.
Desde que seja utilizado de forma estratégica, integrando-o à indústria
doméstica e aos centros de pesquisa. Pensar em indústria puramente nacional é
um equívoco em termos de estratégia para política industrial, porque simplesmente
é inviável. A China, por exemplo, não fortaleceu a indústria automotiva
sozinha, mas sim desenvolveu tecnologia integrada a empresas de países como
EUA, Itália e Japão. Hoje em dia, nenhum país conseguirá “dar o salto” sozinho.
Pensar em indústria puramente nacional pode induzir os governantes a executar
políticas equivocadas, como a “Lei de Reserva de Mercado” do período militar.
[1] Fontes: http://www.brasildiario.com/noticias/agronegocios/pr+saca+de+soja+encerra+a+terca+feira+3/1+cotada+a+r+5075+/0002,0029448,index.html,
2012, (uma saca de soja = 60 kg, câmbio a US$1 ó
R$1,80); http://www.intc.com/common/download/download.cfm?companyid=INTC&fileid=531112&filekey=5C38A315-51E7-4E9A-9BF7-D62C974CBD6E&filename=Dec_28_11_Recommended_Customer_Price_List.pdf, 2012.