sábado, 8 de fevereiro de 2014

Rachel Sheherazade e a liberdade de expressão

Convido o leitor a uma reflexão imparcial sobre as declarações da jornalista do SBT, Rachel Sheherazade. Tentemos, por um instante, abrir mão de nossos preceitos ideológicos e agir como observadores externos dos eventos recentes e das manifestações (prós e contras) que têm dominado as redes sociais sobre o assunto.



Liberdade de expressão pode ser conceituada como o direito de exprimir ideias, pensamentos e opiniões sem censura prévia ou intervenção posterior. É um dos pilares da democracia contemporânea e um dos fundamentos do exercício da cidadania no Estado Democrático de Direito, uma das chaves que garante os direitos individuais.

Logicamente, as pessoas exercem a liberdade de expressão de acordo com os princípios ideológicos que norteiam suas vidas. Princípios adquiridos de diversas fontes, tais como a família, a escola, a igreja, os amigos e a própria vivência.

Tais princípios tornam-se arraigados na própria essência do indivíduo, que passa a defendê-los, como é de se esperar, como quem defende os limites de suas propriedades. Atitude comparável ao instinto animal de defesa do espaço físico, do alimento e da própria reprodução. A diferença entre esse instinto animal primitivo e a expressão dos preceitos ideológicos é o intelecto. E o intelecto pressupõe a capacidade de abstração e discernimento.

Quando se sentem ameaçadas, as pessoas se defendem em grupos sociais, um instinto primitivo análogo ao de um animal que se sente ameaçado por um predador.
Quando as pessoas se sentem ameaçadas, essa capacidade de discernimento diminui quase que instintivamente. E como o ser humano é por essência um animal social, aqui entendido que tende a se agregar em grupos sociais de pequeno ou grande porte, o indivíduo busca a aproximação com aqueles grupos sociais com os quais se assemelham, sejam em termos de etnia, religião ou simplesmente em ideias.

Consequentemente, passam a adotar conceitos e ideias comuns àquele grupo. Começam a agir como unidade social e não mais como um conjunto de indivíduos. Passam a tolerar atitudes entre seus pares que certamente não toleram nos grupos sociais que identificam como rivais. Pior, muitas vezes começam a defender com veemência algumas ideias que enxergam como opostas aos próprios princípios, sem se aperceber de que o estão fazendo.
Mesmo aqueles que se dizem defensores da democracia e da liberdade, muitas vezes são tolerantes e/ou coniventes com ditaduras. Desde que estas estejam em consonância com seus próprios preceitos ideológicos.
Por exemplo, os grupos que se identificam como "esquerda" do pensamento político são tão coniventes com a ditadura cubana, como os grupos que simpatizam com os ideais de "direita" são tolerantes com a ditadura militar brasileira. Argumentos de lado a lado passam a ser "a ditadura x matou mais" ou "a ditadura y promoveu mais melhorias". Ambos os lados sacramentando a máxima maquiavélica de que "os fins justificam os meios".
Exemplo de como alguns princípios podem ser facilmente deixados de lado. Muitos simpatizantes de "esquerda" são coniventes com a ditadura cubana, assim como muitos simpatizantes de "direita" são tolerantes com a ditadura militar.
A Lei e a Ética podem ser eventualmente "flexibilizados".

Se algum jornalista defendesse em rede nacional que se fizesse "justiça com as próprias mãos" contra empresários que sonegam impostos, poluem o meio ambiente, pagam propina aos fiscais do Estado, fazem cartel para sobrevalorizar as receitas em licitações, promovem o trabalho escravo, etc., os simpatizantes da "esquerda" – embora jamais admitissem – provavelmente seriam solidários à ideia. Talvez fizessem até campanhas pelas redes sociais defendendo tal jornalista. E não faltariam grupos da "direita" criticando duramente a ideia e os identificando como sectários, comunistas, sanguinários e afins.
A jornalista do SBT, Rachel Sheherazade, ao defender que se faça "justiça com as próprias mãos" contra aquele estereótipo de bandido (que rouba, estupra, mata), ganhou a simpatia daqueles que são simpáticos às ideias da "direita".
Embora possa parecer que nas duas situações estivéssemos tratando do conceito simples de liberdade de expressão, obviamente a Ética, o bom senso – e talvez a lei – foram violados.
Ninguém com o mínimo de bom senso discute hoje se é ou não antiético a defesa das práticas nazistas. Talvez até haja jornalistas que sejam simpatizantes das ideias do Nazismo, mas jamais teriam a coragem de defendê-las em rede nacional. E mesmo que tivessem tal coragem (supondo que não fosse crime defendê-las), certamente as pessoas de bom senso – tanto da "esquerda", como da "direita" – condenariam a ação. Para quem não sabe, Hitler defendia, dentre outros absurdos, o extermínio de aleijados, cegos, surdos, homossexuais e... Bandidos.
Deixando de lado a discussão sobre se Rachel Sheherazade infringiu ou não a lei, fica claro que a jornalista ultrapassou de longe os limites da Ética, do bom senso e das próprias atribuições do jornalismo, prestando um desserviço à sociedade. Teria prestado um serviço ao país se a jornalista tivesse conduzido um debate com especialistas da área sobre as razões que levam uma pessoa a optar pelo crime, sobre o sistema judiciário sofrível, o sistema de execuções penais e a impunidade em amplo espectro – como acontece, por exemplo, no programa "Roda Viva" da Rede Cultura. Ou seja, se Rachel Sheherazade tivesse respeitado os limites da Ética e do bom senso. Enfim, se tivesse agido como jornalista.
Contudo, se tivesse feito isso, Rachel Sheherazade provavelmente não seria notícia em âmbito nacional, não é mesmo?
Foto: Roda Viva (TV Cultura).
Se tivesse agido como uma profissional do Jornalismo, Rachel Sheherazade não teria repercussão em âmbito nacional. Na busca descomedida por audiência, a Ética fica em segundo plano.