Em 2002, uma articulista da
Folha de S. Paulo, Bárbara Gancia, escreveu uma brilhante matéria intitulada
“Cola é Instituição Nacional”. Eu, que sempre fui odiosamente avesso à “cola”,
não sabia o porque do meu repúdio quase intuitivo a tal prática execrável.
Mantive essa intolerância irrefletida, até que o artigo supracitado me trouxe
luz à questão e fez com que me irritasse ainda mais quando surpreendo alguém
colando.
A cola e a corrupção Fotomontagem: Prosa Econômica e Veja, acesso em dezembro de 2013. |
A criança que utiliza dessa prática aprende a utilizar meios ilícitos
para ter êxito. Com o passar do tempo, desenvolve-se, quase que
inconscientemente, a sensação de que o uso do ilícito é inevitável, inexorável
à própria sociedade. E, pior, suscita-se o paradoxo de que fazer o errado é que
é o correto. O honesto passa a ser ridicularizado. Passa a ser visto como
“otário”, ingênuo para se dizer o mínimo.
Chega-se à faculdade e a noção do “ilícito inevitável” toma proporções
preocupantes. Agora, a desfaçatez da “cola” torna-se efetivamente regra,
“baixar” trabalhos prontos da internet em plágio descarado e pagar para alguém
fazer tornam-se ferramentas inequívocas, justificadas pela “falta de tempo,
‘fessor’” – ainda que sempre se ache tempo para cerveja e festa. A consequência
imediata disso é o fenecimento do pensamento acadêmico, da pesquisa e da
própria ciência nacional. Daí, não se surpreenda quando os japoneses e os
norte-americanos patentearem produtos derivados da Amazônia e os espertos
trouxas pagarem royalties pesados
para ter um produto que a natureza nos deu de graça, só para citar um exemplo.
Mas isso ainda não é o pior de
tudo. Pior mesmo é que os “espertos” aprendem a “passar a perna” em outras
circunstâncias, uma vez que já depreendeu que o ilícito funciona. Concluem que
“puxar o saco” e “puxar o tapete” são instrumentos mais “eficientes” para a
promoção pessoal do que o mérito pela competência e conhecimento adquirido.
Assim, ao invés da desejável meritocracia, institui-se a canalhocracia.
Prevalece a concorrência desleal e predatória. Cultua-se a mediocridade, quiçá
a boçalidade, desde que os “resultados” sejam exitosos – não importa o meio.
Triunfa o mau-caratismo em escala nacional. Só quem já foi passado para trás
por um desses “espertos” incompetentes e aduladores, já teve o tapete puxado
sob os pés, sabe como é lastimável e abominável que se consolide essa
tendência.
Houve um tempo em que, exausto de tanto lutar contra, pensei: “deixa,
que colem! O mercado depois seleciona!” Pior pensamento não pode haver. Porque,
no mercado, a seleção é adversa sempre: a tendência no Brasil é a de que os
“picaretas” sejam os recompensados. Portanto, conclamo todos os Educadores para
que não sejam tolerantes!
Tolerância zero com a cola e o plágio! O professor complacente com esse
ato é conivente com a cultura ao ilícito que esfacela a sociedade, assim como o
policial condescendente com o bandido que rouba e mata, ou o governante que
prevarica, permitindo que funcionários desviem recursos dos cofres públicos. No
fim das contas, a sociedade como um todo perde.
(Texto original: A cola e a corrupção - 2002 - Fabrício Pessato)