quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Quem cola semeia a corrupção

Em 2002, uma articulista da Folha de S. Paulo, Bárbara Gancia, escreveu uma brilhante matéria intitulada “Cola é Instituição Nacional”. Eu, que sempre fui odiosamente avesso à “cola”, não sabia o porque do meu repúdio quase intuitivo a tal prática execrável. Mantive essa intolerância irrefletida, até que o artigo supracitado me trouxe luz à questão e fez com que me irritasse ainda mais quando surpreendo alguém colando.
A cola e a corrupção
Fotomontagem: Prosa Econômica e Veja, acesso em dezembro de 2013.



A criança que utiliza dessa prática aprende a utilizar meios ilícitos para ter êxito. Com o passar do tempo, desenvolve-se, quase que inconscientemente, a sensação de que o uso do ilícito é inevitável, inexorável à própria sociedade. E, pior, suscita-se o paradoxo de que fazer o errado é que é o correto. O honesto passa a ser ridicularizado. Passa a ser visto como “otário”, ingênuo para se dizer o mínimo.
Chega-se à faculdade e a noção do “ilícito inevitável” toma proporções preocupantes. Agora, a desfaçatez da “cola” torna-se efetivamente regra, “baixar” trabalhos prontos da internet em plágio descarado e pagar para alguém fazer tornam-se ferramentas inequívocas, justificadas pela “falta de tempo, ‘fessor’” – ainda que sempre se ache tempo para cerveja e festa. A consequência imediata disso é o fenecimento do pensamento acadêmico, da pesquisa e da própria ciência nacional. Daí, não se surpreenda quando os japoneses e os norte-americanos patentearem produtos derivados da Amazônia e os espertos trouxas pagarem royalties pesados para ter um produto que a natureza nos deu de graça, só para citar um exemplo.
 Mas isso ainda não é o pior de tudo. Pior mesmo é que os “espertos” aprendem a “passar a perna” em outras circunstâncias, uma vez que já depreendeu que o ilícito funciona. Concluem que “puxar o saco” e “puxar o tapete” são instrumentos mais “eficientes” para a promoção pessoal do que o mérito pela competência e conhecimento adquirido.
Assim, ao invés da desejável meritocracia, institui-se a canalhocracia. Prevalece a concorrência desleal e predatória. Cultua-se a mediocridade, quiçá a boçalidade, desde que os “resultados” sejam exitosos – não importa o meio. Triunfa o mau-caratismo em escala nacional. Só quem já foi passado para trás por um desses “espertos” incompetentes e aduladores, já teve o tapete puxado sob os pés, sabe como é lastimável e abominável que se consolide essa tendência.
Houve um tempo em que, exausto de tanto lutar contra, pensei: “deixa, que colem! O mercado depois seleciona!” Pior pensamento não pode haver. Porque, no mercado, a seleção é adversa sempre: a tendência no Brasil é a de que os “picaretas” sejam os recompensados. Portanto, conclamo todos os Educadores para que não sejam tolerantes!
Tolerância zero com a cola e o plágio! O professor complacente com esse ato é conivente com a cultura ao ilícito que esfacela a sociedade, assim como o policial condescendente com o bandido que rouba e mata, ou o governante que prevarica, permitindo que funcionários desviem recursos dos cofres públicos. No fim das contas, a sociedade como um todo perde.

(Texto original: A cola e a corrupção - 2002 - Fabrício Pessato)