O autor
britânico Adam Smith, filósofo e economista do século 18, escreveu que o
bem-estar está associado à satisfação de necessidades. Fome, frio, insegurança
e doenças são situações desfavoráveis para as quais surgem necessidades a serem
supridas: alimentação, roupas, moradia e remédios. Sob a ótica de Smith, que
então analisava o nascimento da incipiente sociedade capitalista, essa tarefa
poderia ser cumprida pelas relações de consumo. Logo, a “mão invisível” do
livre mercado, ao possibilitar as satisfações das necessidades individuais, potencializava
o alcance do bem-estar social.
Adam Smith, filósofo e
economista do século 18: o bem-estar está associado à satisfação
de necessidades e essa tarefa poderia ser cumprida pelas relações
de consumo, potencializando o bem-estar
social. Foto: University of Chicago, 2013. |
Quase duzentos
e quarenta anos depois do enunciado de Smith sobre a noção de bem-estar, o
consumo tem sido levado às últimas consequências. Há pouco mais de 40 anos,
desde a Conferência de Estocolmo 1972, o mundo começou a perceber que o padrão
de crescimento econômico fundamentado no consumo crescente é insustentável.
Embora a “lei da escassez” seja uma velha conhecida dos manuais de Economia, de
repente a humanidade se apercebeu para o fato de que não há recursos naturais
suficientes para atender a todos. Se cada um dos 7,0 bilhões de habitantes da
Terra tivessem o mesmo padrão de consumo dos EUA, seriam necessários mais 4 ou
5 planetas Terra. Não obstante, esse é o modelo econômico dominante.
Se cada um dos 7,0 bilhões
de habitantes da Terra tivessem o mesmo padrão de consumo dos EUA, seriam
necessários mais 4 ou 5 planetas Terra. Fotomontagem: The New York Times e Planet Earth (Canada), 2013. |
Tal modelo traz
consigo algumas aberrações. Por exemplo, sob a ótica do Produto Interno Bruto
(PIB), estradas ruins favorecem o crescimento econômico. Absurdo? Senão,
vejamos: estradas esburacadas aumentam furos e estouros de pneus, além de
diminuir a vida útil dos amortecedores, o que aumenta a demanda por mais
serviços de reparos de pneus, por mais pneus novos e por amortecedores – o que
gera mais empregos e mais renda.
Estradas esburacadas
aumentam furos e estouros de pneus e diminuem a vida útil dos
amortecedores, aumentando a demanda por mais serviços de reparos, por
mais pneus novos e por amortecedores: mais empregos e mais renda. Fotomontagem: IGEPRI e Alagoas 24 horas, 2013. |
Esta é apenas uma
situação, dentre outras tantas, que poderiam ser listadas para demonstrar que
há uma contradição não prevista por Adam Smith entre o bem-estar individual e o
bem-estar social. E que o modelo econômico centralizado no trinômio
produção-consumo-descarte (PCD) é inviável no longo prazo.
Se as
contradições entre crescimento econômico e sustentabilidade socioambiental são quase
unanimidade, a própria noção de bem-estar fundamentado no consumo está hoje em
xeque. É como se o modelo econômico se tornasse uma espécie de monstro que
crescesse incontrolavelmente e agora passasse a viver uma espécie de autofagia.
Por exemplo,
desde o início da humanidade, o maior problema alimentar era a fome. Hoje, o
consumo desenfreado de fast-foods,
além de alimentos industrializados à base de açúcar levou a um crescimento da
obesidade em níveis alarmantes. A antiga demanda por comodidade, desde que o
Homem deixou de ser nômade, hoje se traduz em um sedentarismo exacerbado. Este,
somado à obesidade, levará a uma explosão de casos de doenças evitáveis como
diabetes, esteatose hepática, doenças cardiovasculares e depressão. Nesta
última, o paradoxo se torna ainda mais flagrante: a plena saciedade gera
insatisfação! No limite, teríamos uma sociedade tão plenamente saciada que
estaria absolutamente insatisfeita.
O maior problema alimentar
era a fome. Hoje, é a
obesidade. O paradoxo é flagrante: a plena saciedade gera insatisfação! No limite, teríamos uma
sociedade tão plenamente saciada que estaria absolutamente insatisfeita. Fotomontagem: Infoescola e Sindifastfood, 2013. |
Como reverter o
quadro? Antes de tudo, não se trata da extinção do consumo. Mas é inevitável
que os governos devam ter um papel pró-ativo, estabelecendo critérios para o
consumo consciente e sustentável, enquanto traça e executa estratégias para
minimizar os efeitos indesejáveis do trinômio PCD, principalmente na redução do
descarte residencial e industrial. Mesmo que haja a sensação de um prejuízo
individual, tal perda é para o bem-estar não somente da sociedade, mas para o
próprio bem-estar pessoal.
As pessoas
ainda continuarão consumindo automóveis, mas utilizarão cada vez mais o sistema
de transportes coletivo – e ganharão duas vezes: os automóveis que compraram
terão vida útil maior e passarão menos tempo paradas nos congestionamentos. Não
comerão tantas gorduras e doces, mas isso será positivo, já que desfrutarão de
uma vida mais saudável. Não trocarão aparelhos eletrônicos todos os anos, mas
poderão fazer atualizações sem descartar aparelhos antigos. Não terão uma peça
de roupa para cada dia do mês, mas terão roupas de melhor qualidade, de forma
que a sensação de frustração seja menor, e, portanto, a satisfação seja maior.
Alimentação saudável, uso do transporte coletivo, consumo consciente e qualidade de vida: todos cedem um pouco para melhorar o bem-estar social. Ao final, todos saem ganhando.
Fotomontagem: Sindec, Sindimoc, Observatório do Recife e Entrada Franca, 2013.
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