domingo, 24 de abril de 2011

Quem paga imposto é o pobre!


A carga tributária brasileira é elevada? O uníssono que ecoa da mídia para conversas de boteco é que sim. No ano de 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), foi de 35,13% do Produto Interno Bruto (PIB). Isto significa que, de cada R$100 gerados no Brasil, R$35,13 ficaram nas mãos dos governos nas três esferas (União, Estados e Municípios). É elevado, sem dúvida, mas não está entre os maiores do mundo.
Tomemos alguns exemplos. Suécia: 50,1%; Dinamarca: 49,0%; França: 44,2%; Itália: 43,4%; Alemanha: 36,3%; Canadá: 33,9%; Estados Unidos: 25,5%.(1) 
Alguns desses países têm carga tributária semelhante à nossa, com a ressalva de que seus cidadãos têm o retorno dos impostos pagos na forma de um sistema de proteção social de excelente qualidade, propiciando alto padrão de vida. Os gastos governamentais desses países são fortemente direcionados aos serviços públicos como saúde, educação, infra-estrutura e seguridade, embora os Estados Unidos usem cerca de 24% dos US$3 trilhões (!) arrecadados anualmente para gastos militares.
Como se vê, o problema não está na carga. A questão, de fato, é que a estrutura tributária brasileira é socialmente perversa, porque incide em maior proporção sobre a faixa da população de menor renda. Ou seja, é o pobre quem mais paga os tributos no país e financia uma parcela significativa dos gastos do Estado. Se o leitor, desconfiado, imagina que se trata de uma afirmação absurda, entenda-se:
Mais de 2/3 da arrecadação tributária são obtidos indiretamente. Os impostos indiretos são pagos sem que o contribuinte saiba que está pagando: estão embutidos nos preços finais das mercadorias e o consumidor, inadvertidamente, deposita nos cofres do governo ao levá-las para casa. São as aberrações tributárias, tais como ICMS, IPI, CPMF, Cofins e CIDE, que incidem em cascata no valor dos bens de consumo.
Ao comprar uma mercadoria, o cidadão pode pagar até 60% somente em IPI, ICMS, PIS e Cofins – os principais contribuições e impostos indiretos. Para compreender a perversidade de tal estrutura tributária, tomemos, como exemplo, duas famílias com rendimentos mensais de R$960 e R$48.000 que comprem um mesmo produto com custo básico de R$80 mais 60% de tributos indiretos – portanto, preço final de R$128. Ao adquiri-lo, a família rica pagará proporcionalmente 0,1% de sua renda em impostos [(R$48 ÷ R$48.000) x 100], enquanto a família pobre pagará 5,0% [(R$48 ÷ R$960) x 100]. Isto é, ganhando um salário cinquenta vezes menor, paga-se uma taxa cinquenta vezes maior. É o que se denomina "regressividade".
Há dez anos, em 2001, o Congresso Nacional aprovou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), um imposto indireto com o objetivo de restaurar as rodovias brasileiras. Um absurdo tributário que pune o cidadão de baixa renda duas vezes: primeiro quando o faz pagar passagens de ônibus urbanos mais elevadas – em função do aumento do preço do diesel inevitavelmente repassado às tarifas – para financiar um bem de que ele dificilmente usufruirá (pobre, geralmente, não anda de carro). Em segundo lugar, os transportadores tendem a repassar a alta do custo do frete para as mercadorias que carregam, encarecendo os gêneros de primeira necessidade, especialmente os alimentos, o que reduz ainda mais o poder aquisitivo do pobre.
Nos países desenvolvidos, impostos indiretos representam, em geral, menos de 1/3 do total da carga tributária e incidem cerca de 9% sobre os preços médios dos bens de consumo. A maior parcela da arrecadação recai em tributos diretos e, particularmente, no imposto de renda, que tem alíquotas progressivas de acordo com o aumento da faixa de rendimentos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a alíquota de imposto de renda para pessoa física começa em 10% para faixa de renda mensal de US$1 mil, passando por taxas de 15%, 27%, 30%, 35%, até 38,6% para rendimentos superiores a US$24 mil mensais. Faz-se, assim, valer o princípio da progressividade: quem ganha mais, paga proporcionalmente mais.
No Brasil é o contrário. E o pior é que o pobre vê seus parcos recursos, abocanhados pelas presas famintas do Estado, escoarem pelos ralos da ciranda financeira do Banco Central, para o pagamento de juros da dívida pública contraída junto aos bancos e à classe média-alta. Em fevereiro de 2011, a dívida líquida do governo alcançou R$2,083 trilhões(2). O Banco Central voltou a aumentar a taxa de juros – o que deverá elevar a dívida pública. Assim, o pobre paga imposto para bancar os juros cobrados pelos ricos! Não há a contrapartida em serviços públicos garantidos constitucionalmente, como saúde, educação, saneamento, moradia, etc. Além de o pobre pagar mais, leva menos.
Muito se fala em concentração de renda e da necessidade de políticas redistributivas. Enquanto for mantida tal estrutura tributária perversa, a concentração tende a se perpetuar. Permanecendo as taxas de juros elevadas, a tendência é que a má distribuição se agrave. E o ciclo se completa. O ex-presidente Lula, que se dizia defensor das classes menos favorecidas, foi conivente com esse estado de coisas. A atual presidente, Dilma Rousseff, estabeleceu, dentre as prioridades do mandato, uma ampla reforma tributária. A verificar!
(Atualização de um artigo publicado no jornal Tribuna do Interior, p. 2, seção “Tribuna Livre”, em 24 de agosto de 2004. Os dados agora tratam de 2011).

(2) Fonte: Banco Central do Brasil, http://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/Divggnp.zip.