A carga tributária brasileira é elevada? O uníssono que ecoa da mídia
para conversas de boteco é que sim. No ano de 2010, segundo o Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), foi de 35,13% do Produto Interno
Bruto (PIB). Isto significa que, de cada R$100 gerados no Brasil, R$35,13
ficaram nas mãos dos governos nas três esferas (União, Estados e Municípios). É
elevado, sem dúvida, mas não está entre os maiores do mundo.
Tomemos alguns exemplos. Suécia: 50,1%; Dinamarca: 49,0%; França: 44,2%;
Itália: 43,4%; Alemanha: 36,3%; Canadá: 33,9%; Estados Unidos: 25,5%.(1)
Como se vê, o problema não está na carga. A questão, de fato, é que a
estrutura tributária brasileira é socialmente perversa, porque incide em maior
proporção sobre a faixa da população de menor renda. Ou seja, é o pobre quem
mais paga os tributos no país e financia uma parcela significativa dos gastos
do Estado. Se o leitor, desconfiado, imagina que se trata de uma afirmação
absurda, entenda-se:
Mais de 2/3 da arrecadação tributária são obtidos indiretamente. Os
impostos indiretos são pagos sem que o contribuinte saiba que está pagando:
estão embutidos nos preços finais das mercadorias e o consumidor,
inadvertidamente, deposita nos cofres do governo ao levá-las para casa. São as
aberrações tributárias, tais como ICMS, IPI, CPMF, Cofins e CIDE, que incidem
em cascata no valor dos bens de consumo.
Ao comprar uma mercadoria, o cidadão pode pagar até 60% somente em IPI,
ICMS, PIS e Cofins – os principais contribuições e impostos indiretos. Para
compreender a perversidade de tal estrutura tributária, tomemos, como exemplo,
duas famílias com rendimentos mensais de R$960 e R$48.000 que comprem um mesmo
produto com custo básico de R$80 mais 60% de tributos indiretos – portanto,
preço final de R$128. Ao adquiri-lo, a família rica pagará proporcionalmente
0,1% de sua renda em impostos [(R$48 ÷ R$48.000) x 100], enquanto a família
pobre pagará 5,0% [(R$48 ÷ R$960) x 100]. Isto é, ganhando um salário cinquenta
vezes menor, paga-se uma taxa cinquenta vezes maior. É o que se denomina
"regressividade".
Há dez anos, em 2001, o Congresso Nacional aprovou a Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), um imposto indireto com o objetivo de
restaurar as rodovias brasileiras. Um absurdo tributário que pune o cidadão de
baixa renda duas vezes: primeiro quando o faz pagar passagens de ônibus urbanos
mais elevadas – em função do aumento do preço do diesel inevitavelmente
repassado às tarifas – para financiar um bem de que ele dificilmente usufruirá
(pobre, geralmente, não anda de carro). Em segundo lugar, os transportadores
tendem a repassar a alta do custo do frete para as mercadorias que carregam,
encarecendo os gêneros de primeira necessidade, especialmente os alimentos, o
que reduz ainda mais o poder aquisitivo do pobre.
Nos países desenvolvidos, impostos indiretos representam, em geral,
menos de 1/3 do total da carga tributária e incidem cerca de 9% sobre os preços
médios dos bens de consumo. A maior parcela da arrecadação recai em tributos
diretos e, particularmente, no imposto de renda, que tem alíquotas progressivas
de acordo com o aumento da faixa de rendimentos. Nos Estados Unidos, por
exemplo, a alíquota de imposto de renda para pessoa física começa em 10% para
faixa de renda mensal de US$1 mil, passando por taxas de 15%, 27%, 30%, 35%,
até 38,6% para rendimentos superiores a US$24 mil mensais. Faz-se, assim, valer
o princípio da progressividade: quem ganha mais, paga proporcionalmente mais.
No Brasil é o contrário. E o pior é que o pobre vê seus parcos recursos,
abocanhados pelas presas famintas do Estado, escoarem pelos ralos da ciranda
financeira do Banco Central, para o pagamento de juros da dívida pública
contraída junto aos bancos e à classe média-alta. Em fevereiro de 2011, a
dívida líquida do governo alcançou R$2,083 trilhões(2). O Banco
Central voltou a aumentar a taxa de juros – o que deverá elevar a dívida
pública. Assim, o pobre paga imposto para bancar os juros cobrados pelos ricos!
Não há a contrapartida em serviços públicos garantidos constitucionalmente,
como saúde, educação, saneamento, moradia, etc. Além de o pobre pagar mais,
leva menos.
Muito se fala em concentração de renda e da necessidade de políticas
redistributivas. Enquanto for mantida tal estrutura tributária perversa, a
concentração tende a se perpetuar. Permanecendo as taxas de juros elevadas, a
tendência é que a má distribuição se agrave. E o ciclo se completa. O
ex-presidente Lula, que se dizia defensor das classes menos favorecidas, foi
conivente com esse estado de coisas. A atual presidente, Dilma Rousseff,
estabeleceu, dentre as prioridades do mandato, uma ampla reforma tributária. A verificar!
(Atualização de um artigo publicado no jornal Tribuna do
Interior, p. 2, seção “Tribuna Livre”, em 24 de agosto de 2004. Os dados
agora tratam de 2011).
(1) Fonte: Receita Federal, http://www.receita.fazenda.gov.br/Publico/estudotributarios/Eventos/SeminarioII/P02CargaTributaira.pdf.
(2) Fonte: Banco Central do
Brasil, http://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/Divggnp.zip.